quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Argo, por Tiago Ramos


Publicado originalmente em SpiltScreen

Título original: Argo (2012)
Realização: Ben Affleck

Não vale a pena insistir na já cansativa e habitual referência à "surpresa" de ver o actor Ben Affleck na cadeira da realização de forma tão competente. Depois de Gone Baby Gone (2007) e The Town (2010) já não há espaço para surpresas e a existir alguma neste filme é precisamente o inverso: o quão bem, o actor Ben Affleck consegue suportar um papel de protagonista da história. Não que o faça de forma exímia, mas o modo como o faz (relativamente seguro e consistente) dá espaço sim para surpresas quando pensamos nos seus trabalhos como actor que o desenvolveram para o espectador como motivo de brincadeira. O que quer isto dizer? Não há surpresas em Argo, apenas a confirmação do breve currículo de Affleck enquanto realizador já como uma referência. E mesmo que o filme surja numa altura propícia à receptividade nos Estados Unidos - uma nação que precisa (recordar-se) frequentemente dos seus momentos de glória - e daí poder funcionar como uma espécie de panfleto propagandista, consegue ir além dessa tendência e suportar-se enquanto filme, fora da manipulação que faz ao espectador.

Argo são vários filmes dentro de um mesmo, mas consegue sê-lo de forma consistente e segura, nunca assumindo um carácter retalhado como poderia ter acontecido. Assim começa num formato quase documental, uma reconstituição de um período problemático (e curiosamente frequente) na história entre os Estados e o Irão, para depois partir para o filme de época, aliás maravilhosamente encenado, com destaque para o guarda-roupa (Jacqueline West), direcção artística (Peter Borck e Deniz Göktürk) e produção de design (Sharon Seymour). Mas não se fica por aí: passa ainda por uma divertida e deliciosa sátira, num tom absolutamente cómico e mordaz da indústria de Hollywood (maravilhosas cenas divididas entre John Goodman e Alan Arkin), para se assumir entretanto como filme de espionagem/thriller de acção, com algumas ligações emocionais que raras vezes caiem no melodrama. O argumento de Chris Terrio consegue fazer tudo isso (baseado num artigo de Joshuah Bearman) sem perder a unidade da história, conduzindo-a de uma forma tensa e emocionante - mesmo quando o espectador já sabe qual o seu desfecho - e nunca derrapando, apesar de um final, visto por muitos como anti-climático.

Claro que ajuda o facto de a história (verdadeira) ser tão inusitada quanto disparatada e logo por isso, tão apelativa ao espectador, mas é a forma sólida como Ben Affleck a realiza que a torna tão incrível. Uma realização que interpreta cada momento da história, oferecendo-a ao espectador de um modo único e singular, sempre adaptada ao momento - capaz de transmitir tão rapidamente a ideia de revolução, como de introspecção. O elenco, lotado e de excelência, faz o seu trabalho de modo irrepreensível - mesmo o de carácter secundário. Argo tem todos os elementos para impressionar a audiência, acima de tudo por ser bem dirigido por um homem que já foi motivo de chacota pela mesma indústria que agora o enaltece (haja sátira tão bem justificada!).

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