Publicado em Sound+Vision
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Note-se que não querem estas palavras traduzir a ideia que a música é melhor quando só é conhecida e partilhada por meia dúzia de almas que se comportam como guardiões de tesouros preciosos que mais ninguém vê, qual Gollum e seu anel. Assim fosse, e que nos interessariam os feitos de um David Bowie ou Kraftwerk nos anos 70, uns Pet Shop Boys ou Prince nos 80, uns R.E.M. ou U2 nos 90?... Fartaram-se de vender discos e estão longe de ter uma contribuição "menor" na história da evolução das formas da cultura popular. Alcançar um vasto patamar de espectadores não é necessariamente sinónimo de uma expressão de jogos de cedência ao mercado (havendo quem também o faça, claro). O que se coloca aqui em causa é a ideia de “personalidade” diferente que a cultura indie advoga como sua, por oposição a que será o suposto esbatimento de personalidade que vemos em muito do mainstream (que existe, sim). Mas será o indie de hoje assim tão diferente?... (sem o comparar com omainstream de uma pop dominada por produtores e programas de "tele-talentos", claro).
Chegámos a um patamar de nivelamento na cultura indie que em nada traduz o seu desejo de ser diferente. E que, é verdade, faz falta para que a música e a cultura popular não se fechem em loops de mais do mesmo. Mas a verdade é que muita da música dita indie de hoje não é senão uma expressão com guitarras, baixo, bateria, vocalista, eventuais teclas e outros instrumentos, de uma certa lógica de pronto-a-vestir. Junta-se uma calça assim, uma T-shirt assado e mais aquele lenço e sai banda... E a verdade é que, uma com mais gimmick para aqui, outra com maisgimmick para ali, são todas, na sua essência, desejadamente diferentes, mas afinal desencantadamente iguais.
Quer isto dizer que não tem havido boas ideias em terreno indie? Nada disso. Veja-se o caso de uns Animal Collective, que foram simplesmente a banda mais influente e interessante da década dos zeros. Ou nomes como uns TV on The Radio, Beirut, Devendra Banhart, White Stripes ou No Age, cujas obras marcaram o seu tempo. Mas ao vermos os nomeados para os Grammys deste ano (e a própria presença ali em 2011 de um Bon Iver – com inusitada histeria nos concertos lisboetas deste ano) repararemos que o que se apresenta como indie na verdade tem mais em comum com uma lógica de comportamento mainstream que com a carga de ousadia e diferença que, a bem da evolução das formas e da cultura, deve existir em quem está de facto a agir independentemente das normas em vigor.
Nada contra o indie por principio. Só não acredito na maioria do indie de hoje como forma de expressão de uma vontade em criar, inventar, olhar em frente, como o recordo de heróis “indie” de outros tempos. Note-se que houve momentos de grande visão este ano. E que não faltaram grandes discos a 2012. Revelações como as de um John Talabot, Alunageorge ou Grimes. Novas visões de uns Dirty Projectors, Major Lazer, Ombre, Micachu & The Shapes, Matthew Dear. A simplicidade autoral de um Andrew Bird ou Perfume Genius. A vibrante agitação no R&B e periferias de Miguel, The Weekend ou Frank Ocean... Sim, alguns vêm de terreno "indie", mas o facto é que o grosso do indie de 2012 está longe de ser o que de melhor e mais visionário o ano nos deu a ouvir. O indie de hoje, aquele que os Grammys vão celebrar, que ouvimos nas bandas sonoras das campanhas publicitárias e nos palcos dos festivais, transformou-se numa coisa mainstream para quem acha que não quer ser mainstream, mas na verdade não deixa de o ser.
PS. E há mal em ser mainstream? Porque não se chamam antes as coisas pelos nomes?
Vejam aqui as nomeações para os Grammys de 2013, que motivaram este texto.
1 comentário:
Excelente artigo, que subscrevo...
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