domingo, 8 de março de 2009

Órfãos de Ian Curtis


Os anos New Order na Factory, versão revista e aumentada. De "órfãos" de Ian Curtis ao tecno de Ibiza. Leia a crítica BLITZ às últimas reedições da banda.

"Tinha sete minutos e meio, mas até a BBC Radio 1 encontrou espaço para "Blue Monday" no Verão de 1983" - assim começa o texto introdutório do livreto da reedição de Power, Corruption & Lies , segundo álbum dos New Order.

Dois anos antes, uma banda "órfã" de Ian Curtis, que se suicidara em Maio de 1980, transformava os Joy Division em New Order, mas mantinha o produtor, Martin Hannett, e um consequente cinzentismo sonoro apenas aqui e ali iluminado (veja-se a antítese entre "Ceremony" e "Dreams Never End"), o fantasma do passado ainda a pairar em Movement - o próprio título é mais Joy Division do que os próprios Joy Division.

Nesse Verão de 1983, acontece a emancipação sob a forma dos versos "How does it feel / to treat me like you do / When you've laid your hands upon me / And told me who you are" e diz-se agora que assim mudou a face da música de dança. Neil Tennant, dos Pet Shop Boys, terá considerado mudar de mister quando a ouviu pela primeira vez; Dave Stewart, líder dos Eurythmics, mandou trabalho feito à malvas e recomeçou um álbum do zero. E os New Order, confortáveis com a eficácia suprema do formato single, não chegaram a incluí-la no álbum que se seguiu. "Blue Monday", já que perguntam.
Pejado de sintetizadores, Power Corruption & Lies começou nos clubes nova-iorquinos e prosseguiu na discoteca Haçienda, o tubo de ensaio da Factory do "rock impresario" Tony Wilson. A "epifania", como lhe chama Bernard Sumner, resultou em canções distantes da new wave vigente, mais próximas de uma visão de futuro.

Dois anos depois, Low-Life é a consumação do "pecado", estocada final na filiação pós-punk com "The Perfect Kiss" a fazer as vezes de "Blue Monday" e "Shellshock" a furar o mainstream norte-americano, cortesia da banda-sonora de Pretty In Pink , de John Hughes. A "banda estranha que toca música comercial" estava, finalmente, alinhada com o "momentum" que criou.
Em 1986, ano em que os Pet Shop Boys editam o primeiro álbum - e fazem "lots of money" com "West End Girls" e, claro, "Suburbia" - , os New Order reintroduzem a guitarra como forma motriz e esboçam o seu álbum mais pop até à data. Brotherhood populariza as linhas de baixo de Peter Hook que fizeram de Peter Hook praticamente um sinónimo (ou prolongamento) do instrumento que tocava ("Way of Life" e "Paradise" são exímios exemplos).

É, curiosamente, com um dos temas mais "hi-tech" que Brotherhood chega ao Olimpo: "Bizarre Love Triangle", melodia irresistível, arsenal electrónico de fazer inveja a Stock Aitken Waterman, aplicadores da estética hi-nrg em tecido de potencial pop (e fazedores de, entre outros, Kylie Minogue e, errr, Rick Astley).

Technique , três anos depois, poderia soar a música fora de tempo, mas caiu com estrondo em cima do emergente empreendimento acid-house. Quatro meses em estúdio mediterrânicos (Ibiza, pois) tiveram os seus custos: a Factory afundava-se em águas baleáricas numa festa sem limites que só resulta na gravação de um álbum por um triz.
As cinco reedições dos New Order na Factory - editadas pouco depois do 30 aniversário da editora, cada uma com CD extra destinado a versões 12", lados-B e singles avulso - revelam também o trabalho gráfico inconfundível de Peter Saville, um dos elos da intervenção artística da casa de Manchester.

E, nas entrelinhas, desvendam um rasto de desgraça: a Factory faliu, o produtor Martin Hannett faleceu em 1991, Rob Gretton (o manager dos Joy Division, New Order e co-fundador da Factory) desapareceu em 1999, Tony Wilson sucumbiu a um cancro em 2007, a Haçienda foi demolida. E os New Order chatearam-se e já não existem. O resto são cantigas.

Texto de: Luís Guerra disponível em www.blitz.aeiou.pt

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