segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Nos Idos de Março, por Tiago Ramos



Título original: The Ides of March (2011)
Realização: George Clooney



A moral da quarta produção de George Clooney atrás das câmaras vem expressa na referência do título a Júlio César, apunhalado pelo conspirador Brutus, no dia 15 de Março do calendário romano. Percebemos então de imediato que em The Ides of March tudo é diferente da ilusão ingénua que vive a personagem de Ryan Gosling, um assessor deslumbrado pela imagem de um candidato que lhe parece ideal. É a partir desse jogo de ilusões e imagens que partimos para o mundo sujo das campanhas políticas, seis anos depois de Good Night, and Good Luck. (2005). Sendo este outro regresso do realizador/actor aos meandros da política, o problema passa a ser precisamente o da comparação. Não que o seu trabalho tenha falta de talento, muito pelo contrário, sendo que - entrando num terreno perigoso - podemos quase apontar George Clooney como um herdeiro do cinema de Sidney Lumet. Mas sobretudo porque o argumento que se resume a uma mostra da falta de valores como honestidade e lealdade no mundo da política - apesar de ser extremamente competente - acaba por ser linear e óbvio na sua conclusão, deixando de lado uma carga emocional que não sendo obrigatória acaba por envolver menos o espectador, que cria pouca empatia com as personagens.


Não é porém isso que tira o mérito de George Clooney atrás das câmaras, que merece uma nomeação ao Óscar naquele que é o seu melhor trabalho de realização. Uma atmosfera intensa que vai convergindo lentamente num duelo contido, mas brilhante, entre as personagens de George Clooney e Ryan Gosling. Um constante jogo de luzes e sombras, entre a verdade e a mentira, tão conveniente quanto genial, uma metáfora para a margem entre a sombra dos bastidores e a luz dos palcos e uma constante ambiguidade de papéis. Porque se ora partimos de um assessor idealista encantado com o homem perfeito, que no fundo ele próprio criou, acabamos por encontrar essa mesma personagem refém da falta de ética que abominou durante tanto tempo e que culmina num teatro de fantoches que tão bem ilustra a situação política actual nos Estados Unidos e que, generalizando, talvez se possa aplicar ao restante globo.

Mas sobretudo é o seu trabalho na direcção de actores que faz de Nos Idos de Março um filme diferente. Teremos encontrado aqui o melhor elenco de 2011? Se os holofotes da história surgem sobre a personagem de Ryan Gosling (agora integrante da A-list de Hollywood e que tem este ano das melhores interpretações) e sobre George Clooney (igual a si mesmo e confiante, num papel que se adequa como uma luva), é sobretudo nos secundários que encontramos um suporte para o filme que nem sempre lhes sabe dar o brilho adequado. Paul Giamatti, Phillip Seymour Hoffman, Evan Rachel Wood, Marisa Tomei e até Jennifer Ehle, que dentro das suas parcas palavras, tão bem encarna a sua personagem (depois de nos ter oferecido outra boa interpretação este ano emContagion), são os pilares da história de um universo cínico e manipulador, onde tão depressa as presas são os predadores e onde nem tudo é o que parece.

E porém, dentro de tanta competência, há sempre um sabor amargo de uma potencialidade nunca atingida ao seu máximo e um anti-clímax fantástico, mas que nos deixa de certo modo desinteressados das personagens e do seu fim. No fundo o lado (a)moral da história e afinal tão óbvio é o mais flagrante aos olhos e aquele que é repetido num dos intensos diálogos: um homem para ser Presidente dos Estados Unidos não pode acabar na cama de uma funcionária, mas pode com certeza provocar uma guerra ou deixar um país à beira de um colapso financeiro.



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