A 8 de dezembro de 1980, John Lennon foi morto a tiro em Nova Iorque. Num artigo BLITZ, contamos-lhe a história desse dia e mostramos-lhe 30 fotos da vida do Beatle polémico. Hoje, leia ainda a entrevista com Yoko Ono.
A 8 de dezembro de 1980, minutos antes das onze da noite, Mark David Chapman disparou cinco vezes sobre John Lennon, à porta do edifício Dakota, situado na esquina da rua 72 com a zona Oeste do Central Park. Quatro das balas de ponta oca disparadas do revólver da Charter Arms calibre .38 - modelo: The Undercover - atingiram o alvo danificando de forma severa os órgãos internos do cantor. John Lennon foi declarado morto por médicos da emergência do Roosevelt Hospital por volta das 23h15. Lennon regressava a casa para deitar o filho, Sean, então com cinco anos, depois de uma tarde passada no estúdio Record Plant com a mulher, Yoko Ono, que se encontrava a gravar o tema "Walking on Thin Ice". Mark David Chapman, depois de efectuar os disparos, sentou-se no passeio em frente do Dakota a ler The Catcher in The Rye ( Uma Agulha num Palheiro , na sua primeira tradução portuguesa).
A morte de John Lennon teve um forte impacto na sociedade ocidental em 1980 e transformou-se num simbólico acontecimento global. A revista Time, a 22 de dezembro de 1980, classificava o desaparecimento de Lennon como "uma morte na família". Esse sentimento justificava-se. Lennon foi um dos protagonistas de uma nova era na história da humanidade: o período de imposição dos Beatles correspondeu igualmente a uma época de profundas transformações - sociais, políticas, tecnológicas. Quem cresceu nessa época, cresceu com os Beatles na televisão e por isso era natural ver os seus membros como "família". Esse sentimento de pertença a algo maior é parte do que a década de 60 prometeu e parcialmente, pelo menos, cumpriu.
Os Beatles personificavam o espírito dessa década de luta pelos direitos civis, de protestos pela paz, de construção de uma identidade moderna. Lennon era um activo membro dessa família alargada que acreditava no progresso, na paz, na democracia. Na Time escrevia-se que Chapman tinha assassinado mais do que uma simples pessoa - "talvez a esperança" - e comparava o impacto deste desaparecimento ao de Kennedy ou de Martin Luther King.Mark David Chapman continua encarcerado. Foi condenado a uma pena mínima de 20 anos que se poderá estender até à sua morte. Desde 2000 que a lei permite que Chapman possa reclamar a Liberdade Condicional e nesta última década enfrentou a comissão responsável por avaliar esses pedidos por seis vezes, a última das quais a 7 de setembro último. A liberdade tem-lhe sido constantemente negada, com Yoko Ono a ser uma das mais fervorosas opositoras à saída de Chapman da prisão de Attica, em Buffalo, no estado de Nova Iorque - curiosamente, John Lennon cantou sobre Attica no tema "Attica State", do álbum Sometime In New York City (1972).
As motivações de Chapman, concluiu-se durante o processo, terão sido do foro psíquico, mas nem a obsessão do confesso assassino com o livro de J.D. Salinger (falecido em janeiro deste ano) The Catcher in the Rye - Mark acreditava ser uma espécie de encarnação de Holden Caulfield, o protagonista do romance - e uma vida feita de complexas pressões emocionais poderia ter justificado tal ato. Vários analistas dizem que dificilmente Chapman poderá alguma vez ser libertado porque a fatura política a pagar por quem assinasse os documentos para a sua libertação seria demasiado alta. De certa maneira, Mark David Chapman alcançou também a imortalidade: apesar de se ter mantido em silêncio durante os primeiros anos do seu encarceramento, concedeu algumas entrevistas de fundo onde assumiu os seus atos e reconheceu não ter perdão. Chapman também se transformou num símbolo. Um símbolo vivo de que é possível perder a esperança.
O último álbum que John Lennon editou, Double Fantasy , transformou-se igualmente num símbolo: aqui estava um ícone de uma geração, alguém que ajudou a transformar o mundo, que se despiu pela paz e que rapou o cabelo pela igualdade racial a inspirar-se na família para compor canções enquanto andava à vela com o seu filho nas Bermudas. Este revolucionário editou um álbum de canções de amor, tranquilas e levemente outonais, sem floreados conceptuais de espécie alguma.
A Andy Peebles da BBC confessou, logo após a edição do álbum, que a sua abordagem tinha mudado: "diz apenas o que é, em inglês simples, faz com que rime e coloca-lhe um ritmo por trás". Parecia, de facto simples. Lennon, um homem que sobreviveu aos anos 60, às drogas e aos desvarios terapêuticos, ao apelo da revolução e ao radicalismo, chegava aos 40 à conclusão de que a família era mesmo o centro do seu mundo. Um par de semanas depois, Mark David Chapman, que tinha passado uma cópia de Double Fantasypara a mão de Lennon, na manhã de 8 de dezembro, para recolher um autógrafo (ocasião captada em fotografia pelo fotógrafo amador Paul Goresh), colocava um ponto final no sonho e na esperança e elevava o álbum que o ex-Beatle tinha acabado de lançar à condição de testamento, quando o artista que o criou o tinha pensado como mero retrato. Lennon mudou o mundo quando apareceu em 1960 e voltou a transformá-lo quando desapareceu em 1980. Mas, passados 30 anos, continuamos a ouvi-lo.
Artigo de Rui Miguel Abreu, originalmente publicado na BLITZ 53
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