No novo Eastwood, um grande ausnte dos Oscars, não há uma mistificação gloriosa como em Invictus, existe antes uma desmistificação inglória de uma figura controversa, mas demasiado opaca para nos aproximarmos dela.
Se não fosse John Edgar Hoover, ninguém entrava com ar apressado nas cenas de crime dos thrillers a gritar 'FBI', enquanto enxuta os policias locais. Não haveria Ficheiros Secretos, nem investigações policiais com recurso a escrupulosas análises científicas. Também não haveria escutas nem escândalos que dão biópicos controversos. O contributo de John Edgar Hoover, considerado por alguns o homem mais poderoso do planeta, para o cinema é mais do que muito. Só que ele não foi um herói, apenas um crápula, o crápulas mais temido da América. Assim o pinta Clint Eastwood, que revela o ficheiro secreto da sua vida privada,num filme que passará ao lado da corrida aos Óscares, e que está nos antípodas de Invictus.
Os vilões têm o seu encanto. Não há dúvida. Desde Bonnie and Clyde (Arthur Penn, 1967) que nos apercebemos que é muito mais romântico e empolgante torcer pelo bandido do que pelo xerife. Na altura da grande depressão, foras-da-lei, assaltantes de bancos, como John Dilinger, tornaram-se muito populares, autênticos heróis, como se tornou visível nos filmes da época, com James Cagney (O Inimigos Público, 1931, William A. Wellman), mais recentemente, emInimigos Públicos, de Michael Mann (2009). E essa inversão do lado do bem e do lado do mal repete-se com mais insistência nos nossos dias. Gostamos do estilo dos gangsters de Pulp Fiction (1994)e até mesmo nos deixamos levar por psicopatas, como Hannibal, de O Silêncio dos Inocentes (1991).
Mas este J. Edgar, 'inventor' da FBI, aparece como um vilão do lado dos bons, apenas um crápula, mas que nem por isso ganha algum encanto. É uma personagem medíocre, que se move por objectivos curtos, infeliz. Uma personagem desencantada e desmoralizada nos seus preceitos morais.
Estamos perante um biópico atípico. Não há uma mistificação gloriosa como em Mandella, existe antes uma desmistificação inglória de uma figura controversa, mas demasiado opaca para nos aproximarmos dela.
O filme de Eastwood adota assim uma postura semelhante à de Luc Moulet nalgumas curtas-metragens, em que faz panfletos turísticos, com o efeito contrario, que nos levam a não querer vistar a terra em questão. J Edgar é um filme sobre uma personagem que não nos fascina nem queremos conhecer. Mas claro, e talvez seja este o ponto mais importante, leva-nos a refletir sobre o poder oculto das secretas.
J. Edgar notabilizou-se ao deportar centenas de imigrantes com ligações a movimentos comunistas e anarquistas. Enquanto construi a FBI, com critérios de excelência e um investimento na ciência e formação, fez da perseguição aos emigrantes e aos negros uma obsessão. Terá tentado inclusive fazer com que Martin Luther King recusasse o Prémio Nobel. Abusando do poder, resistiu a oito presidentes americanos, que chantageava através dos seus arquivos secretos. Edgar foi um monstro que se criou.
Leonardo DiCaprio é competente num papel difícil. A opção por manter os mesmo atores em diferentes idades obriga a uma caracterização demasiado pesada, que por vezes incomoda. O filme é longo e mastigado, mas tem aqueles momentos fortes de emoção que só Eastwood sabe fazer. Proporcionados em grande parte pela semi-assumida relação homossexual com Clyde Tolson (Armie Hammer), através da qual o realizador dá a Edgar uma dimensão frágil e humana.
J. Edgar, de Clint Eastwood, com Leonardo DiCaprio, Armie Hammer, Judi Dench, Noami Watts, 137 min
Ler mais: http://aeiou.visao.pt/j-edgar-o-inimigo-secreto=f643806#ixzz1kbU115T1
1 comentário:
Não sei se o filme é bom, mas tendo em conta a temática custa a perceber como não está nomeado para os óscares. Talvez haja fatos do passado na América, mesmo um pouco recentes, que ainda sejam incómodos e uma nomeação seria dar demasiada importância a uma figura (Edgar Hoover) que ainda hoje talvez incomode.
Conto ver o filme, apesar do protagonista... Mas como é Clint quem realiza, para mim torna-se imperdível.
Abraço :)
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