Hoje, David Bowie faz 65 anos e atinge oficialmente a idade da reforma. Não oficialmente, porém, parece reformado há anos. O homem de quem sempre esperámos uma reinvenção e um sinal de futuro mantém-se silencioso, na sua casa, em Nova Iorque. O seu passado faz dele uma figura presente na cultura popular.
Em 2012, David Bowie será o primeiro. A partir de hoje, o camaleão da pop, caso deseje abandonar Nova Iorque, onde vive, e regressar a Inglaterra, poderá viajar por todo o país gratuitamente, utilizando os autocarros públicos. É um direito que assiste a todos cidadãos ingleses que atingem os 65 anos. E é essa a idade a que chega hoje David Bowie, músico que marcou, de forma indelével, o século XX, tratando a pop como artista plástico ou actor de um interminável happening. David Bowie será, dizíamos, o primeiro da lista deste ano. Nos próximos meses, seguir-se-ão, incluídos na classe de 1947, Elton John, Dave Davies, guitarrista dos Kinks, Brian May, guitarrista dos Queen, Ian Anderson, vocalista e flautista dos Jethro Tull, Brian Johnson, vocalista dos AC/DC, ou Iggy Pop, reverso negro de Bowie, a quem este ofereceu segunda vida ao proporcionar-lhe, em 1973, a gravação de Raw Power. E, claro, não podemos esquecer nesta lista Ron Wood, o guitarrista dos Rolling Stones que afirmou recentemente, e muito a propósito, "depois de tudo o que consumi e fiz ao longo dos anos, o que mais me impressiona é ainda estar vivo". Para quem é, no fundo, o irmão mais novo, em excessos e na guitarra, do eterno Keith Richards, a declaração faz todo o sentido.
No fundo, os 65 anos são um pormenor da cédula de nascimento que o ritmo de vida não reflecte. Ron Wood continua, qual jovem estrela de 25 anos nos anos de 1970 de sex, drugs & rock"n"roll. É exactamente isso, de resto, que o público que esgotou as últimas digressões dos Rolling Stones pretende ver: a eterna juventude roqueira em corpos enrugados mas de vitalidade intacta.
Sabemos há muito que o rock já não é somente a arte da rebeldia juvenil, que já não é uma força expressiva utilizada contra os inevitavelmente retrógrados da geração anterior. "Hope I die before I get old", cantavam os The Who em 1965. "Hope I die before I get old", continuarão a cantar em concertos os jovens de 1965, recordando essa verdade insofismável, enquanto os sobreviventes da banda, Pete Townshend (66 anos) e Roger Daltrey (67 anos), se mantiverem razoavelmente no activo. E David Bowie?
No auge da sua fama enquanto Ziggy Stardust, primeiro culminar de uma visão da pop enquanto ponto de confluência entre o poder da música e a força transformadora das artes performativas, confessou: "Fora de palco, sou um robot. Em palco, ganho emoções. É provavelmente por isso que prefiro vestir-me de Ziggy a ser David".
Longe de desaparecer
À beira de completar 65 anos, já não precisa de se vestir de quem quer que seja, já não precisa de se reinventar. O seu último álbum, Reality, foi editado em 2003. No ano seguinte, depois de um concerto em Hamburgo, sentiu fortes dores no peito e foi conduzido ao hospital. Uma artéria obstruída e uma cirurgia de emergência (termo técnico: angioplastia). Depois, o retiro em Greenwich Village, onde vive com a mulher, Iman, e a filha de ambos, Alexandria. As aparições intermitentes que fez desde aí - na televisão com os Arcade Fire; em palco com o amigo David Gilmour; com Rick Gervais na série Extras - não apagaram a sensação de que, se a idade da reforma ainda demoraria a chegar (ei-la amanhã, precisamente), David Bowie estava efectivamente reformado. Porém, longe de desaparecer.
A moderna ideia de pop vive a sua meia-idade. Os que primeiro cresceram com ela têm a idade de Bowie e continuam a comprar os discos (e as reedições, e as caixas luxuosas) dos ídolos de outrora e a comprar os bilhetes para os seus concertos - são, de facto, os maiores clientes de uma indústria discográfica em crise profunda.
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