quinta-feira, 31 de maio de 2012

Cosmopolis, por Tiago Ramos


Publicado originalmente no split screen


Título original: Cosmopolis (2012)
Realização: David Cronenberg

Em Cosmopolis estamos mais perto do universo de David Cronenberg que em A Dangerous Method (2011). Um mundo (falso e especulativo) em colapso, em iminente implosão, criado por Don DeLillo quase que parece propositadamente para Cronenberg. Um universo e um filme altamente simbólicos onde permanece, à cabeça, um debate extremamente actual da sociedade contemporânea, uma crítica feroz ao (ciber)-capitalismo, um mundo onde os alvos mais importantes são precisamente quem detém o dinheiro, é Wall Street e todo o seu poder especulativo. "Ainda matam Presidentes hoje em dia?" questiona o protagonista no início do filme, pondo precisamente em causa o verdadeiro poder dos nossos dias. David Cronenberg recria bem essa sensação, partindo dos símbolos únicos como a limusine, passando por variados símbolos que criam a iminência da destruição pessoal e colectiva. Uma destruição que começa por ser exterior, enquanto o protagonista vive na sua existência fechada, aborrecida quase até ao ponto da sua inexistência e que Cronenberg aproveita através de uma sucessão de personagens que passam pela sua limusine para dar corpo aos males da sociedade contemporânea: o dinheiro, o sexo, a mentira, o padrão, a norma, o medo. O medo, sempre o medo (o médico, o guarda-costas, a impenetrabilidade de uma limusine), mas uma tentativa de constante desafio desse medo, uma noção auto-consciente (e ingénua) do poder absoluto, uma vaidade constantemente atordoada pela realidade que teima em afectar a sua estrutura, primeiro externamente (os graffitis, o fogo) e depois internamente (a noção de doença, o próprio medo interior, a paranóia). "Um espectro que assombra o mundo inteiro".

Cosmopolis gira sempre em torno desse forte poder político, de um argumento deliciosamente estruturado à base de diálogos simbólicos e bem actuais (o poder especulativo do dinheiro e a força do mercado chinês) e uma noção bem evidente que nem tudo se pode gerir através da matemática, dos padrões e das normas, porque existem (até na próstata) ligeiras variações assimétricas. É esse argumento adaptado por David Cronenberg que é simultaneamente o ponto forte e fraco do filme, onde por vezes os diálogos e noções mais fortes e importantes são rapidamente interrompidos e onde a sucessão de actores reconhecidos para as personagens secundárias desvia atenção do que é realmente importante, estragando o ritmo e mesmo o impacto que o seu surgimento deveria ter. Ponto forte ainda para a calma, mas tensa banda sonora criada por Howard Shore e pela banda Metric. Já Robert Pattinson como protagonista surpreende. Longe de se revelar um grande actor (ao contrário de outros grandes nomes que já protagonizaram filmes do cineasta) parece revelar-se uma interessante escolha de casting, já que a própria linguagem corporal e facial do actor se liga perfeitamente ao conceito da própria personagem: um homem confiante, mas completamente atordoado, quase inexistente, quase robótico e que vai gradualmente ganhando uma intensidade quase animal e que curiosamente se relaciona com a sua intenção inicial: a do corte (de cabelo?).

Longe de ser o filme que se esperava, Cosmopolis continua a ser um interessante regresso de David Cronenberg às suas origens e um dos filmes mais actuais dos últimos anos. Um estudo complexo do homem ciber-capitalista, da nossa própria existência atordoada, enquanto o mundo em ruínas existe à nossa volta e nós permanecemos à beira da implosão.



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