domingo, 22 de janeiro de 2012

Gus van Sant filma a morte como a maior graça da vida







‘Inquietos’, o novo filme do autor de ‘Milk’, é um conto romântico sobre o amor ideal


O novo filme de Gus van Sant é descrito, em termos simples, como uma história sobre um jovem casal de namorados com uma preocupação com a mortalidade. A verdade é que o autor de Milk já havia abordado o tema da finitude humana na sua denominada “trilogia da morte” – formada por Gerry (2002), Elefante (2003) e Last Days – Últimos Dias (2005). Todavia, essa tríade de filmes, apesar da sua vertente “estetizante”, tratava o tema da morte com uma relativa dose de gravidade que está ausente de Inquietos, a sua 14.ª longa-metragem.


O mais inesperado neste filme rodado em Portland (cidade onde o realizador vive e onde costuma filmar) é o tom alegre, vivo e tranquilo com que as personagens encaram a morte. Inquietos é a história de um amor vivido a prazo, mas intensamente, por dois jovens solitários: Annabel (Mia Wasikowska), uma rapariga com um tumor cerebral e apenas três meses de vida, e Enoch (Henry Hopper, filho de Dennis Hopper), um rapaz que perdeu os pais num acidente de viação e que, além de ter por obsessão assistir a funerais de pessoas que não conhece, tem como único amigo o “fantasma” de um piloto kamikaze. Dito desta forma, parece um tanto mórbido, mas a virtude e diferença do filme de Van Sant reside no modo como o realizador trata a morte: como a maior dádiva da vida.


Inquietos é um filme sobre a morte como criadora de vida. Enoch, que no passado foi tentado pelo suicídio, “desistiu” da vida no sentido do apego pernicioso e do interesse “interesseiro”. Tal como diz o Novo Testamento, “é preciso que a semente deitada à terra morra para poder germinar e dar fruto”. E Annabel é “revitalizada” pela proximidade da sua própria morte. É caso para dizer que, se não fosse a Morte (e a dádiva da morte, nas suas diversas formas), não viveríamos. E as personagens deste filme vivem, querem viver, estão vivas e reclamam o seu direito à Vida.


Van Sant explicou em entrevistas que a razão de se sentir tão atraído por histórias sobre pessoas jovens (comuns na sua obra) prende-se sobretudo com o facto de a juventude ser o período mais vibrante das nossas vidas, o qual, segundo o cineasta, começa a “arrefecer” por volta dos 23/25 anos, talvez porque seja a altura em que somos obrigados a entrar na vida “real”. E a peça do estreante Jason Lew (autor com menos de 30 anos) que o filme adapta prefere o idílio romântico e perfeito da vida ideal ao prosaísmo cinzento e triste da vida real. Porque essa, quando vivida sem sonho, é a verdadeira morte.


(Texto publicado na edição de 12 de Novembro do Diário de Notícias)

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