Com a estreia de Matar para Viver, o nome do cineasta polaco Jerzy Skolimowski volta a estar na nossa actualidade: é o reencontro com um dos grandes do cinema europeu — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 de Junho), com o título 'Filmes e memórias de Skolimowski'.
Com a estreia do brilhante Matar para Viver, de Jerzy Skolimowski, podemos reencontrar, não apenas um nome emblemático dos tempos heróicos da “nova vaga” do cinema polaco (a par de Roman Polanski ou Krzysztof Zanussi), mas também um dos maiores autores do cinema europeu das últimas décadas. Marcada por muitos ziguezagues, geográficos e de produção, a sua carreira renasceu em 2008 graças ao admirável Quatro Noites com Anna, produzido por Paulo Branco. Agora, com Matar para Viver, história de um homem perseguido por militares americanos, algures numa paisagem desértica, Skolimowski relança um dos temas fulcrais da sua obra. A saber: o enigma que nos faz pertencer a um determinado cenário, seja ele concreto ou abstracto, sensual ou espiritual, cultural ou mitológico.
Vale a pena, por isso mesmo, evocarmos um dos seus grandes filmes, Deep End, produção inglesa de 1970, fábula urbana sobre a descoberta do sexo e do amor. No seu centro está Mike (John Moulder Brown), um jovem de 15 anos que começa a trabalhar numa piscina pública, encontrando como companheira uma rapariga um pouco mais velha, Susan (Jane Asher). Desesperadamente apaixonado por Susan, Mike vai viver uma odisseia que o faz oscilar entre a descoberta do mais baixo mercantilismo (o modo como alguns clientes da piscina esperam “favores” sexuais dos seus empregados) e a mais radical utopia do movimento amoroso.
Nos seus melhores filmes, Skolimowski [foto] sempre filmou estes heróis desamparados e comoventes. Para além das óbvias diferenças dramáticas e contextuais, aquilo que une os protagonistas de Deep End e Matar para Viver é a mesma desesperada fuga para a frente. Ameaçado em qualquer cenário, o fugitivo de Matar para Viver foi despojado de tudo, desde a roupa até à sua história, só lhe restando o desejo de sobrevivência como motor existencial. Em Deep End, Mike vive um dilema quase religioso: será que a adoração de Susan é também um caminho de irreversível e solitária perdição?
Não vivemos, infelizmente, num contexto comercial e cultural que favoreça estas memórias cruzadas entre filmes. Basta observarmos os conceitos de ficção audiovisual que passaram a dominar o espaço televisivo... Para nos ficarmos pelo domínio específico do mercado cinematográfico, lembremos que é pena que esse mercado não arrisque mais na relação com os filmes “antigos”, inventando (ou reinventando) modelos alternativos de difusão.
Em todo o caso, não tenhamos ilusões: importa olhar para as atribulações da exibição cinematográfica com desprendimento e, se possível, algum sereno humor. Assim, lembremos que Deep End estreou em Portugal com um dos mais espantosos títulos “moralizadores” de que há memoria. Ou seja: Deep End (expressão que, para além das conotações simbólicas, designa a parte mais funda de uma piscina) deu em português... Adolescente Perversa.
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