quarta-feira, 13 de julho de 2011

THE GIRLFRIEND EXPERIENCE: Namorada de aluguer



Confissões de uma namorada de Serviço, de Steven Soderbergh


O melhor filme de Soderbergh desde Sexo, Mentiras e Vídeo, todo realizado à base da experimentação e do improvis0

 Steven Soderbergh é um realizador com vincados traços de bipolaridade. Quem vir este filme dificilmente desconfia de que se trata do mesmo autor de Ocean's Eleven (2001), Tráfico (2000) ou Erin Brockovich (2000). Mas talvez se reconheçam algumas semelhanças com Sexo, Mentiras e Vídeo (1989) ou Bubble, filme de 2005, passado na América profunda que nem sequer teve estreia comercial no nosso país. Em suma, Soderbergh talvez seja o exemplo acabado que orçamentos maiores nem sempre significam filmes melhores, bem pelo contrário. As melhores obras do realizador são mesmo aquelas que tiveram custos mais baixos, como se vê em The Girlfriend Experience, traduzido em português para Confissões de uma namorada de Serviço, o seu melhor filme desde Sexo, Mentiras e Vídeo, todo realizado na base da experimentação e do improviso.
Para o papel principal, imagine-se, chamou Sasha Grey, uma 'estrela' do cinema pornográfico americano. Não é a primeira vez que um ator do género dá um súbito e provisório salto para outros cinemas: basta lembrar Coma Profundo, de David Cronenberg, Os Idiotas, de Gus Van Sant, ou, mais recentemente, Homem no Banho, de Cristoph Honoré, que recrutou um ator hardcore gay. A verdadeira originalidade de Soderbergh neste domínio é a total ausência de pornografia. Ou seja, por estranho que possa parecer, achou que a profundidade e experiência da atriz poderiam enriquecer interiormente a personagem. Ou, mais do que isso, achou fascinante desconstruí-la, de fora para dentro.
Chelsea não é propriamente uma prostituta de alta roda, nem sequer uma acompanhante de luxo, o seu ofício é bastante mais subtil e refinado. É mais uma namorada de aluguer, com a qual os clientes yuppies podem conversar, jantar e, claro, levar para a cama. Há um snobismo fashion, uma mania das marcas, uma elegância elitista, mas não há as mais que batidas fantasias sexuais. Aliás, o sexo, por absurdo que possa parecer, está sobretudo implícito. Outro cliché derrotado é que os clientes não são velhos, nem obesos, nem têm ar repugnante, antes pelo contrário, com um estilo jovem e yuppie, dos quais, eventualmente, não se esperaria que recorressem a tais serviços. Mas, como se disse, é sobretudo um serviço de companhia, como as damas de companhia que outrora entretiam gerontes endinheirados. Mas o que isto revela, acima de tudo, é uma imensa solidão numa classe alta, que cria à sua volta um mundo de tal forma cru, que até o carinho se paga.
Ela é quem eles querem que ela seja e o filme é sobre quem ela é. Um make-up desfeito, um creme desmaquilhador, por baixo da máscara está outra máscara, nunca chegaremos à pele, mas vale a pena tentar. O próprio filme está realizado à flor da pele, sem maquilhagem, com uma rudeza de meios indie, e uma câmara solta, de enquadramentos invulgares, um argumento livre, que foge a lugares comuns. Todo o filme respira essa liberdade estética, que lembra Hal Hartley, Jim Jarmush, Robert Altman, Jonathan Demme ou, porque não, Jean-Luc Godard.
O espaço para o improviso foi mesmo a técnica seguida. O improviso da câmara e dos atores. E é por isso que o filme respira desta forma e sai de todos os padrões a que Soderbergh nos habituou, mesmo nos projetos mais alternativos. Contudo, no meio desta trama minimalista, feita de flashes, com extraordinários momentos musicais, há também uma parábola económica. Porque se há mundo sem moral é o da economia. E no final percebe-se que, para certas pessoas, um abraço é uma excentricidade milionária.

Sem comentários: