Não é que Sofia Copolla tenha entrado no impenetrável território de Antonioni que possuía a arte de transformar o tédio nisso mesmo: em arte. Mas no seu novo filme, Somewhere (estreia-se no próxima dia 24 de Fevereiro) a filha de Francis continua sem abandonar a sua zona de conforto. Tal como a personagem do filme, que foi Leão de Ouro em Veneza (estreia-se dia 17 de Fevereiro): um actor entediado e enfurnado no quarto 59 do lendário hotel das estrelas, Chateau Marmont, na Sunset Boulevard, Los Angeles. Raramente este actor (interpretado por Stephen Dorff) abandona este não lugar, onde a vida é uma imitação, uma zona de passagem, numa transição permanente. Um homem oco, que padece de enfado crónico, com a alma em decomposição que não sairá borboleta deste casulo, onde vigora o do not disturb e o room service, e a comida é plastificada, tal como a música, as festas e as mulheres - que têm, aliás, uma rotatividade assinalável na sua cama.
A agonia de pessoas espantosamente ricas, bonitas e famosas, que vivem em hotéis espantosamente elitistas, com todas as mordomias e conduzem ferraris espantosamente extravagantes para chegar a lado nenhum. Já se disse do filme de Sofia que Somewhere is Nowhere. Mas este filme não nos é um lugar estranho. O tipo de loura adolescente, quase estilizadas, com traços finos e perfeitos (sempre tão diferentes do ar latino da realizadora), pálidas e vaporosas, com cabelos esvoaçantes como nos anúncios de champô e que ela filma tão bem, já o tinhamos visto emAs Virgens Suicidas (1999). Assim com a insatisfação, o desprazer, o enfadamento de gente que tinha tudo para ser feliz e dedica a festas dissipadoras, como em Marie Antonieta (2006). Em Somewere pressentem-se as pegadas de Lost in Tranlation - O Amor é um Lugar Estranho (2006) sem ser preciso espalhar farinha. Também aqui há um actor entiado num hotel, também aqui há a sua perplexidade perante as iníquas perguntas dos jornalistas ou perante os bizarros shows televisivos (só que no primeiro era a TV japonesa, no segundo é na TV italiana). Ambos pairam por ali, zombificados pelo tédio, fumam, bebem, dormem e não se passa nada. E nos dois filmes, até há, no final, uma frase abafada, que nós nunca escutamos. Aliás, fica muito por preencher na história das personagens, o argumento é minimalista, os diálogos são concisos, as sequências repetitivas, há conexões que ficam em aberto, imensos momentos musicais como vídeo-clips, e outros pormenores divertidos, como a cena das gémeas stripers sincronizadas que trazem o seu kit e um varão desmontável para um show ao domicílio.
O deserto do enfado
Tal como aparece uma Scarlett Johanson, na vida de Bil Murray, também na rotina deste actor lhe surge a filha adolescente (a estreante Elle Fanning) de quem fica a tomar conta. Na mansão cerebral do actor, algo se pode desbloquear, alguns corredores se podem percorrer, algumas portas se podem abrir, mas na verdade nunca vão ter a lado nenhum. E a perspectiva nunca é a da miúda.
Há uma sequência absolutamente claustrofóbica, que mostra que debaixo da lânguida existência de johnny também bate um coração. Aquela em que os técnicos de maquilhagem ou de efeitos especiais lhe colocam uma máscara de envelhecimento e ele fica só a respirar por uns buraquinhos no nariz, como um mergulhador por uma plha de bambu, mais solitário e metido consigo próprio do que nunca. É curioso porque Stephen Dorff que andou até aqui desaparecido dos radares (poucos se lembrarão dele, ao lado de Jonnhy Depp em Inimigos Públicos de Michael Mann) e que se fartou de fazer "direct-to-DVD movies" tinha sido preterido num castig de Francis Coppola, para Uma Segunda Juventude - a história do homem que não envelhecia. Sophia conseguiu, nesta cena, envelhecê-lo. E enquanto o pai se enreda em argumentos cada vez mais embaraçados, e se rendeu ao digital, Sofia torna-se cada vez mais minimal, fascinada pela película - aliás, o filme foi rodado com as lentes que Coppola usou em Rumble Fish. Sofia pode não ter saído do mesmo lugar, mas continua a filmar tão bem, e a fazer filmes tão especiais. Afinal, mais vale algum lugar do que lugar nenhum.
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