domingo, 17 de junho de 2012

"Aberdeen — Um possível Kurt Cobain"



O ator Nicolas Trevijano no monólogo "Aberdeen — Um possível Kurt Cobain", que estreia no dia 7 de julho em SPDIVULGAÇÃO/ZÉ CARLOS BARRETTA


RIO - Kurt Cobain tinha um amigo imaginário. Ele se chamava Boddah e os dois conviveram desde a infância até os últimos dias do cantor. Foi para Boddah que o líder do Nirvana ofereceu as palavras de sua carta de despedida, antes de uma espingarda Remington M-11, calibre 20, de três quilos, explodir sua cabeça na estufa da sua casa, em Seattle. Entre a criação de Boddah e o fatídico suicídio de Cobain estão o início e o fim da vida de um dos maiores ícones do rock. E essas duas pontas estarão conectadas em duas montagens teatrais que vão reviver Kurt Cobain nos palcos brasileiros.

Reflexões imaginárias

Marcada para estrear no dia 7 de julho, na Galeria Olido, em São Paulo, a peça "Aberdeen — Um possível Kurt Cobain" foi escrita por Sérgio Roveri e traz o ator Nicolas Trevijano dando voz ao mundo interno e imaginário de Kurt. Na montagem, dirigida por José Roberto Jardim, a ação se passa durante os três dias que separam a morte do líder do "Nirvana" e a descoberta de seu corpo por um eletricista. O outro espetáculo (sem título definido por enquanto) faz parte de um projeto criado por Bruno Gagliasso. O ator, que em 2008 interpretou o pintor Van Gogh em "Um certo Van Gogh", volta a se aventurar entre o consciente e o inconsciente de um artista fora de série e igualmente atormentado, agora com o amparo de João Falcão, que vai assinar a direção e já rascunha o texto, previsto para estrear no começo de 2013. A direção musical ficará a cargo de Alexandre Elias, do sucesso "Tim Maia — Vale tudo, o musical".

"Aberdeen — Um possível Kurt Cobain" começa no momento seguinte ao disparo da espingarda, como se Sérgio Roveri entrasse na cabeça de Kurt, imaginando livremente o que se passa no interior do personagem. E é como se o próprio Kurt estivesse fora de seu corpo e observasse, em panorâmica, sua existência.

— Existe um tom melancólico, mas o que predomina, apesar da verborragia do texto, é um estado de resignação, aceitação de uma situação irreversível, como se a angústia tivesse diminuído. É o alívio após a morte que o suicida talvez busque — diz o autor. — Como se ele não pertencesse mais a este plano e estivesse num lugar superior, onde tudo o que é mundano parece menor. A peça se passa nesse hiato, entre a morte e o momento em que acham o corpo, e ele usa esse tempo em suspenso para refletir.

Como frisa o título, "Aberdeen — Um possível Kurt Cobain" não oferece um retrato real do artista — o que seria improvável dada a narrativa irreal que se passa dentro de um Kurt pós-morte. Reforçando o desprendimento da história oficial, não há referências aos discos do Nirvana, e os nomes de Courtney Love, Dave Grohl e Krist Novoselic nem aparecem — mas Boddah, o amigo imaginário, sim. Estruturado em cinco movimentos, o monólogo mergulha nas idas e vindas da memória de Kurt entre a infância na cidade de Aberdeen e sua morte.

No primeiro, ele lê fragmentos de cartas de fãs — "Era difícil imaginá-lo envelhecendo e feliz", diz uma delas. No segundo, relembra a fria, sombria e tediosa Aberdeen — "Quem nasce ali, pelo visto, tenta ser original ao menos na hora de se mandar desta vida, mas nem isso consegue". No terceiro, alinha a carreira e a nota de suicídio escrita para Boddah — "Já faz muitos anos que eu não sinto prazer em ouvir ou em fazer música...". No quarto, a consciência do morto navega entre os dias em que esteve sumido, planejando o ato — "Como Hamlet, eu tive de escolher entre a vida e a morte". E, no quinto, viaja por temas como família, mulher, filha, carreira, sucesso, dinheiro, vida e, claro, morte — "Eu não sei para onde estou indo, simplesmente não posso mais ficar aqui".

— Embora ele tenha morrido aos 27 anos, acho que as angústias, dúvidas e inquietações que ele tinha acompanham cada um de nós, seja qual for a nossa idade — diz o ator Nicolas Trevijano.

Investigação biográfica

Já a peça imaginada por Gagliasso envereda numa investigação mais biográfica sobre a trajetória artística de Kurt, seus conflitos amorosos e suas canções, que também serão levadas ao palco. O ator, inclusive, já começou a tomar suas primeiras aulas de guitarra.

— Fiz Van Gogh e agora farei Kurt, personagens que não se conformam com o estado das coisas, que buscam encontrar sua identidade real e se livrar das impressões que os outros projetam. Kurt me faz questionar o que é o sucesso, o que representa uma trajetória artística e a própria vida — ele diz.

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