Depois de uma noite vitoriosa a Norte, os Arctic Monkeys desceram ontem a Lisboa para um concerto que desde cedo se adivinhava eufórico. Mesmo antes de a banda da primeira parte, os Mystery Jets, se despedirem de um público já acelerado, era praticamente impossível encontrar lugar sentado nas bancadas. Privilegiando a visibilidade para o palco, em detrimento do conforto, muitos foram os que acabaram por sentar-se nos degraus dessas mesmas bancadas, aguardando de forma ordeira mas visivelmente excitada a chegada dos Arctic Monkeys. Poucos minutos depois da hora marcada, as luzes apagaram-se e um inacreditável coro de agudos fez-se ouvir, capaz de levar qualquer incauto a julgar que a plateia era bem mais juvenil do que na realidade se viu. Ainda com a pesada cortina vermelha a tapar o palco, o riff serpenteante de "Dance Little Liar" começa a ouvir-se e é saudado com uma daquelas ovações que se reservam para os heróis. Afinal, nos escassos anos que levam desta vida, os Arctic Monkeys almejaram proeza rara: a construção de um cancioneiro, personalizado e reconhecível, ao qual, não obstante o carimbo muito "brit" da pena de Alex Turner, certa juventude portuguesa aderiu em força. Humbug , o novo disco dos ingleses, veio pôr alguma água na fervura neste romance: gravado com Josh Homme no deserto da Califórnia, é um álbum menos directo e mais forte em ambientes e subtilezas do que os seus antecessores, o que desapontou todos aqueles que, nos Arctic Monkeys, viam sobretudo uns companheiros de festa. A avaliar pelo que se viu ontem à noite, todavia, quem se manteve fiel à causa encontra tantos motivos de satisfação em canções como as mais recentes "My Propeller" e "Crying Lightning", apresentadas de rajada e acompanhadas ao segundo pelas gargantas dos presentes, como nas já velhinhas "When The Sun Goes Down", "Still Take You Home" ou "I Bet You Look Good On The Dancefloor", o primeiro cartão de visita dos Arctic Monkeys mas até hoje uma das suas criações mais pujantes e irresistíveis: que o diga a multidão que, na plateia obviamente sem cadeiras, fez deste momento um dos mais impressionantes da noite, entoando toda a letra em coro e, acima de tudo, desenhando redemoinhos com recurso a corpos, fluidos e um ou outro sapato pelo ar. Todo este entusiasmo por vezes caótico - sobretudo nas canções do primeiro álbum, mas extensível à relampejante "Brianstorm" ou à adorável "Fluorescent Adolescent", ambas do segundo - era observado, do palco ladeado por ecrãs gigantes, por uma banda que soube mostrar gratidão de forma discreta e elegante. As poucas palavras que Alex Turner dirigiu aos acólitos foram tão apreciadas como as palmas que, no final das músicas mais participadas, lhes bateu, e as erupções populares de patriotismo foram, felizmente, substituídas pelo coro bem mais adequado de "Arctic Monkeys!", que o fantástico baterista Matt Helders ("agile beast", lê-se no seu bombo) acompanhou a preceito. A terceira visita dos Arctic Monkeys a Portugal - uma por disco, sem paragens por festivais - apanha os ingleses mais dotados da sua geração a meio caminho entre duas peles: a de pós-adolescentes perspicazes mas algo ingénuos, e a de roqueiros com Queens of the Stone Age, Black Sabbath ou Nick Cave (de quem tocaram uma versão, marcial e hipnótica, de "Red Right Hand") no altar dos santinhos. Olhando para a esguia figura de Alex Turner, de melena perpetuamente a tapar a face ainda fresca, quase se podia dizer que nenhuma das "personas" é exactamente a sua. Mas assistir ao vivo à metamorfose - e sentir o que separa a vociferada "The View From The Afternoon" (foi só há quatro anos!) da psicadélica "Potion Approaching" não deixa de ser um privilégio. Até porque, do livro dos Arctic Monkeys, consta uma terceira via: a que nasce da veia mais crooner e clássica de Alex Turner, passa pelo seu outro grupo, os óptimos Last Shadow Puppets, e desagua nas lindíssimas "Cornerstone" e "505", guardadas para acicatar paixões no encore pedido com histerismo. Foi a despedida perfeita para um concerto de quase 20 músicas, intensa partilha e até uma chuva de confetis brancos, que no final de "Secret Door" terá apanhado muito boa gente de surpresa, por cair como que accionada por mais mais uma valente "baquetada" de Matt "agile beast" Helders. "See you again!", despediu-se Alex Turner. Seria complicado pedir mais. Na primeira parte, os Mystery Jets beneficiaram da energia que já electrizava a plateia e foram recebidos como verdadeiros campeões; do pastiche "synth pop" "Two Doors Down" à pop com laivos de folk, a fazer lembrar os novatos Mumford & Sons, de "Behind the Bunhouse", a banda liderada por Blaine Harrison (que sofre de espinha bífida, actuando por isso sentado) mostrou-se, no adeus, verdadeiramente agradecida pelo carinho do público.
A cama estava feita para os Arctic Monkeys. Arctic Monkeys no Campo Pequeno, 3 de Fevereiro de 2010 - alinhamento: Dance Little Liar
Brianstorm This House Is A Circus
Still Take You Home
Potion Approaching
Red Right Hand
My Propeller
Crying Lightning
Catapult
The View From The Afternoon
I Bet You Look Good On The Dancefloor
Fluorescent Adolescent
If You Were There, Beware
All The Pretty Visitors
When The Sun Goes Down
Do Me A Favour
Secret Door
Cornerstone
505
Texto de: Lia Pereira Fotos de: Rita Carmo/Espanta Espíritos
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