domingo, 2 de setembro de 2012

Jack White no Coliseu dos Recreios: Companhia algazarra


Fonte

T: Davide Pinheiro F: Luís Martins

Jack White foi igual a si próprio num concerto de reencontro do rock com o suor e do público com as salas, depois de uma época de fogos festivaleiros.




O primeiro concerto de Jack White em nome próprio, e apenas o segundo em Portugal, assinalou a rentrée da época de concertos, o regresso do calor e principalmente o reencontro com o bom velhinho rock que tão ausente tem andado das salas, arenas e mesmo dos festivais. 


White é um rocker à antiga desinstitucionalizado e despreocupado de filtros do Instagram. Na última noite do mês em que Lisboa foi invadida por um campeonato do mundo de turistas, deu aquilo que lhe era pedido. Sem mais nem menos. Canções rock de matriz clássica americana, com ligeiros assomos de estádio, mas defendidas por uma homogeneidade que torna indecifráveis as diferenças entre o repertório gravado a solo, os Dead Weather ou os Raconteurs. Dos White Stipes, a banda onde atingiu projecção global e estatuto de galáctico do rock, detecta-se outra grandiosidade mas nada que interfira com o todo.


Verdadeiramente, White não vem a solo porque o baterista que o acompanha é assombroso - a fazer lembrar o descontrolo rítmico de Kid«Congo» Powers - e a restante banda composta por personagens um pouco à imagem do líder: figuras com um estilo muito próprio e acidental como um baixista que podia ser vendedor de seguros no Michigan, um violinista e virtuoso da lap-steel avançado de idade, um teclista meio-hipster meio Felix Da Housecat e um guitarrista/percussionista parecido com Bobby Gillespie dos Primal Scream. 


Não nos desviemos porque se há dimensão pouco enfâtica no concerto é precisamente a da imagem num sentido «hollywoodesco». O manto de luzes que cobria o palco era apenas o mínimo indispensável para suportar aquilo que move Jack White na sua missão de conserva do rock - e se há músico empenhado nessa causa, mais do que noutra qualquer é ele. Essa paixão melómana esteve toda em palco e é traduzida em adrenalina, ruído e paixão. A resposta foi veículada em entusiasmo com o resgatar de um comportamento que se foi perdendo ao longo dos anos à medida que o rock foi sendo invadido pela classe média alta dominante: o velhinho mosh que levou alguns pré-adultos a saltar as grades.

Jack White recordou-nos que a música, só por si, é um factor de comunicação e que não é necessário elogiar as ruas de Lisboa ou as vistas aéreas da geografia lisboeta para conquistar o público. Arrancou em alta com «Dead Leaves and The Dirty Ground», dos White Stripes, e prolongou o estado de graça ruidoso com a brilhante «Sixteen Saltlines», ganhando imediatamente o público. E não mais o perdeu graças a um alinhamento sem oscilações entre os singles e as outras. 

Canções como «Hotel Yorba» e «We're Going To Be Friends» ganharam em matéria de resposta popular mas se há traço comum entre a obra de Jack White de há quinze anos para cá é a consistência. De resto, o menor fulgor registado entre o primeiro álbum dos Raconteurs - a sua última grande obra antes do belíssimo «Blunderbuss», a solo, não se nota em palco. 

Para o encore, ficaram guardados os doces. «Steady As She Goes» abriu o prolongamento numa versão mais noisy mas imparável. «Nitro», uma versão de Hank Williams, e «Bad Blood Blues» atalharam caminho para o final obrigatório com o hino «Seven Nation Army». Foi a estocada final num Coliseu a transpirar e a destilar entusiasmo. Como Feist ou Erykah Badu, Jack White soube encontrar o ponto de embraiagem de um bólide que acelera nas curvas e trava nas rectas. É por isso que uns são maratonistas e outros corredores de cem metros.

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