sábado, 10 de julho de 2010

Só porque tenho um fascínio pela Route 66


A

Route 66 foi estendida a Cascais graças à estreia exemplar de Chris Isaak em palcos nacionais. Não foram vistas panquecas de frutos silvestres, nem cherry colas em nenhuma ementa; a estrada não era infindável, e não tinha a meio-caminho hamburguerias com aquelas jukeboxes; não havia quiosques de venda de bolacha americana; e a gentinha não vestia aquelas camisas havaianas tão vivas. Havia Chris Isaak e a encarnação do velho imaginário americano em todos os segundos das duas horas de concerto no Parque Marechal Carmona.



Com uma popa de cabelo à Elvis (ainda impecável), um fato de lantejoulas à Elvis, abanões de ancas à Elvis, colocação de voz à Elvis, Chris Isaak desafiou a sua aparência mostrando ser algo mais do que apenas uma sombra pálida do seu mestre ou que um cromo de um rock quase pacóvio. Apesar da discrição, Isaak é muito mais que isso. Ele e o seu quinteto trouxeram uma bagagem musical do tamanho da América. Dava para tudo. Tocaram baladas ao melhor estilo oldies ('You Don't Cry Like I Do' é o melhor exemplo); apresentaram ora um rock mastigado de country, ora um rock avermelhado pelos acordes do diabo; picaram no blues mais puro; e ainda fizeram um número de gospel.


A interpretação de 'Wicked Game', perfumada por aqueles acordes de guitarra surf-music em slow motion, expôs a elasticidade da voz enorme de Chris Isaak; o possuído 'Baby Did a Bad, Bad Thing' atraiu miúdas giras ao palco; e, já num encore que contou com os obrigatórios 'Blue Hotel' e 'San Francisco Days', a versão de '(Oh) Pretty Woman' de Roy Orbinson assentou que nem uma luva naquele alinhamento. Depois, veio o desalinhamento, nas jams comemorativas do final da digressão europeia (este era o último concerto). E aí ficou ainda mais transparente a maleabilidade e qualidade instrumental de Chris Isaak e dos seus comparsas que tocaram no céu quando fecharam o concerto com a interpretação da canção de embalo 'Forever Blue' que a fantástica noite estrelada pedia.



Na memória, fica também um momento especialmente meigo quando Chris Isaak, no seu percurso completo pela plateia, canta o clássico 'Love Me Tender' para cada membro feminino da assistência com uma atenção igualitária, sem atender a desigualdades de idade ou de beleza... Um gesto de cavalheirismo numa noite em que Elvis voltou a não morrer graças a Chris Isaak.

Sem comentários: