segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

True Grit



Não deixa de ser uma ironia desconcertante. Na sua 61ª edição, o Festival Internacional de Cinema de Berlim/Berlinale, pólo histórico e simbólico da identidade europeia do cinema, abriu com um filme... genuinamente americano: True Grit, de Joel e Ethan Coen [estreia portuguesa, com o título Indomável, marcada para 17 de Fevereiro].


Mas é uma ironia que importa saborear, em vez de com ela atrairmos as mais preguiçosas dicotomias "Europa/EUA". De facto, mesmo com altos e baixos, os irmãos Coen são dos mais legítimos representantes de um desejo de reescrita das narrativas clássicas que, em boa verdade, atravessa quase todas as cinematografias de todos os continentes. Desta vez, reencontrando Jeff Bridges [foto], revisitam o país dos cowboys numa época em que a questão da Lei e Ordem está contaminada por toda uma ambivalência do território e da justiça que, agora, de forma soberba, serve para relativizar a arqueologia tradicional dos heróis.


Detalhe não secundário: tal como no primeiro True Grit (1969, com John Wayne), a personagem da rapariga que jura encontrar o assassino do pai (Hailee Steinfeld, numa fabulosa composição que lhe valeu, para já, uma nomeação para os Oscar de melhor actriz secundária) instala uma duplicidade da idade, do género e do corpo que, podemos apostar, não será estranha a vários títulos deste festival. Citemos, para já, o magnífico Tomboy, produção francesa dirigida por Cécile Schiamma, centrada numa menina que se assume como rapaz... por nada, apenas porque o seu desejo a leva a passar de Laure a Mikael.




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