Os Arcade Fire chegaram depressa ao topo da pirâmide indie (e talvez mesmo do rock geral) com dois álbuns consideravelmente diferentes. Comparar "Funeral" (a estreia de arromba) com "Neon Bible" (o difícil segundo álbum) é o mesmo que sentir a diferença entre um passeio pela Serra do Gerês e uma travessia do Alentejo. "Funeral" é deslumbrantemente alpino e fragmentado, dando-nos os mais variados cenários a cada curva e contracurva; "Neon Bible" é mais plano, com cada música a reproduzir a mesma paisagem do início ao fim - excepção a 'Black Wave/Bad Vibrations', o 'A Day in the Life' dos Arcade Fire, que sofre a meio um corte abrupto do tamanho de um eclipse solar total.
Sem que, aparentemente, o novo álbum "The Suburbs" (capa na imagem) tenha a mesma mina de oiro de "Funeral" ou, até, de "Neon Bible", os Arcade Fire dão a volta de outra maneira, apostando numa maior magnitude, tornando-se ainda mais hercúleos do que já eram. O ideal épico do grupo encontra plataforma num álbum mais duradoiro (16 faixas), mais difícil; e, contrariando os ditados populares, a quantidade leva-os a uma maior qualidade.
À superficície do enorme recheio de "The Suburbs" está uma energia adolescente ainda imaculada que dá a sensação de que os vários anos de sucesso e de vida mais adulta ainda não amoleceram os Arcade Fire. 'Ready to Start', 'Modern Man', 'Empty Room' ou 'Month of May' são canções exemplares para "partir loiça" em qualquer festival (tal como os Arcade Fire tão bem fizeram em Paredes de Coura e no Super Bock Super Rock) e autênticas pilhas anímicas que recuperam o melhor do pós-punk.
E há a ilusão deste ser um álbum mais eletropop que os demais, graças a maravilhas como 'Ready to Start' ou a penúltima faixa 'Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)' que aproxima Régine Chassagne cada vez mais a Jill Birt, a menina dos teclados dos Triffids que também fazia vozes.
Mas por trás da superfície e da ilusão, "The Suburbs" é, na substância, um álbum de baladas, talvez o grande álbum de baladas dos Arcade Fire. O tom do disco é mais contemplativo e cinematográfico, com o fantasma intermitente de Bruce Springsteen à flor da pele. Com maior ou menor dramatismo barroco, 'Rococo', 'Half Light I', 'Wasted Hours' ou 'Deep Blue' (podemos citar mais) são músicas ternurentas que fazem a diferença: em qualquer contexto, em qualquer discografia.
Outro dado agradável reside na orgânica do grupo, onde a liderança de Win Butler, sempre muito espiritual, dá espaço em três ou quatro músicas para a sua companheira Régine Chassagne fazer sobressair as suas tropelias. Claro que "The Suburbs" tira partido destes momentos de feminilidade, invertendo-se aquela lógica sufocante de comandos tirânicos que condenam bandas de eleição (como os Pixies ou os Smashing Pumpkins) a prazos curtos de vida.
«Uma mistura entre Depeche Mode e Neil Young», é assim que os autores definem o novo álbum. De corpo sonoro pop-rockeiro, a alma do grupo parece procurar em fundo outra coisa, algo mais folk e, quem sabe, mais country... Os Arcade Fire acabam de dar um grande passo adiante e já vêem o futuro à frente.
Sem comentários:
Enviar um comentário