Este filme é um dos meus favoritos de sempre.
Realizador: David Lynch
Intérpretes: Richard Farnsworth, Sissy Spacek, Harry Dean Stanton
EUA, 1999
Estreia: 26 de Novembro de 1999
«Uma História Simples» é um filme baseado em factos reais que aconteceram a pessoas verdadeiras. «Uma História Simples» é também a maneira de David Lynch se redimir da péssima reputação que deu à América profunda em «Veludo Azul», representando-a como idílica por fora mas maléfica por dentro.
Em «Uma História Simples», passado no coração da América rural, aquela América que só aparece nas televisões quando há inundações, secas ou más colheitas, toda a gente que se manifesta ao longo das centenas de quilómetros de estrada entre Laurens, no Iowa, e Mount Zion, no Wisconsin, é exemplarmente decente, boa e amável - até mesmo a senhora que se farta de atropelar veados todas as semanas e chora baba e ranho sempre que isso sucede, porque adora veados.«Uma História Simples» parece um filme feito quando Ronald Reagan estava no poder. Eu escrevi Ronald Reagan? Queria escrever Dwight D. Eisenhower. Há 40 anos, «Uma História Simples» teria a chancela da Walt Disney.
Escrito por John Roach e Mary Sweeney (a actual namorada de David Lynch), o filme é exactamente o que o seu título diz: a história simples de um homem idem, chamado Alvin Straight, que sentindo a morte a dar-lhe cotoveladas, viajou, em 1994, montado num corta-relva (John Deere, modelo de 1966, só com um dono prévio) com um reboque, umas boas centenas de quilómetros, para se reconciliar com o irmão que não via há 10 anos, com o qual estava desavindo e que vivia noutro estado. O título alternativo de «Uma História Simples» poderia bem ser: «1994: Odisseia na Estrada».
Imaginem um filme bizarro típico de David Lynch virado do avesso, e têm «Uma História Simples». Continua a ser um filme de David Lynch, só que a fazer o pino. Tal como o título original - «The Straight Story» - indica, aqui é tudo «straight», da linha recta narrativa à simplicidade das personagens, passando pela limpidez dos sentimentos, ao contrário do «weird» habitual no realizador. Lynch saiu da sua «twilight zone» pessoal e veio dar uma volta ao mundo das outras pessoas.
E o resultado é - simplesmente - maravilhoso para onde quer que se olhe, em boa parte também pelo papelão do veterano e quase octogenário Richard Farnsworth na figura de Alvin Straight. Farnsworth, que Lynch foi buscar à sua reforma, é um pedaço vivo de história do cinema americano, um «cowboy» que se tornou «duplo» nos anos 30, como tal trabalhou nas equipas de nomes como Hawks, Ford, DeMille e Kubrick, e só passou a actor secundário no final dos anos 70. Ao interpretar Alvin Straight, Richard Farnsworth está - simplesmente - a encarnar a sua geração inteira.
No fim de contas, «Uma História Simples» mostra que, às vezes, a normalidade pode ser a mais fantástica das coisas. Daí que a história inacreditavelmente real de Alvin Straight tenha servido como meia de seda em perna bem torneada à sensibilidade normalmente extraterrestre de David Lynch. É - simplesmente - um dos melhores filmes de 1999.
Uma nota final para outro veterano que, além de Richard Farnsworth, participa em «Uma História Simples». Trata-se do director de fotografia britânico Freddie Francis, de 82 anos, que já trabalhou com David Lynch em «Duna» e é o responsável pelas imagens límpidas da América de Norman Rockwell que Alvin Straight atravessa.
Sem comentários:
Enviar um comentário